quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Valsa Para Uma Menininha

Composição: Toquinho / Vinícius de Moraes


Menininha do meu coração
Eu só quero você a três palmos do chão.
Menininha não cresça mais não,
Fique pequenininha na minha canção.
Senhorinha levada, batendo palminha,
Fingindo assustada do bicho-papão.

Menininha, que graça é você,
Uma coisinha assim, começando a viver.
Fique assim, meu amor, sem crescer,
Porque o mundo é ruim, é ruim, e você
Vai sofrer de repente uma desilusão
Porque o mundo somente é seu bicho-papão.

Fique assim, fique assim, sempre assim
E se lembre de mim pelas coisas que eu dei.
E também não se esqueça de mim
Quando você souber, enfim,
De tudo que eu guardei.

domingo, 2 de agosto de 2009

Noite Fechada

Cesário Verde

Lembras-te tu do sábado passado,
Do passeio que demos, devagar,
Entre um saudoso gás amarelado
E as carícias leitosas do luar?

Bem me lembro das altas ruazinhas,
Que ambos nós percorremos de mãos dadas:
As janelas palravam as vizinhas;
Tinham lívidas luzes as fachadas.

Não me esqueço das cousas que disseste,
Ante um pesado templo com recortes;
E os cemitérios ricos, e o cipreste
Que vive de gorduras e de mortes!

Nós saíramos próximo ao sol-posto,
Mas seguíamos cheios de demoras;
Não me esqueceu ainda o meu desgosto
Nem o sino rachado que deu horas.

Tenho ainda gravado no sentido,
Porque tu caminhavas com prazer,
Cara rapada, gordo e presumido,
O padre que parou para te ver.

Como uma mitra a cúpula da igreja
Cobria parte do ventoso largo;
E essa boca viçosa de cereja
Torcia risos com sabor amargo.

A Lua dava trêmulas brancuras,
Eu ia cada vez mais magoado;
Vi um jardim com árvores escuras,
Como uma jaula todo gradeado!

E para te seguir entrei contigo
Num pátio velho que era dum canteiro,
E onde, talvez, se faça inda o jazigo
Em que eu irei apodrecer primeiro!

Eu sinto ainda a flor da tua pele,
Tua luva, teu véu, o que tu és!
Não sei que tentação é que te impele
Os pequeninos e cansados pés.

Sei que em tudo atentavas, tudo vias!
Eu por mim tinha pena dos marçanos,
Como ratos, nas gordas mercearias,
Encafurnados por imensos anos!

Tu sorrias de tudo: os carvoeiros,
Que aparecem ao fundo dumas minas,
E à crua luz os pálidos barbeiros
Com óleos e maneiras femininas!

Fins de semana! Que miséria em bando!
O povo folga, estúpido e grisalho!
E os artistas de ofício iam passando,
Com as férias, ralados do trabalho

O quadro interior, dum que à candeia,
Ensina a filha a ler, meteu-me dó!
Gosto mais do plebeu que cambaleia,
Do bêbado feliz que fala só!

De súbito, na volta de uma esquina,
Sob um bico de gás que abria em leque,
Vimos um militar, de barretina
E galões marciais de pechisbeque,

E enquanto ela falava ao seu namoro,
Que morava num prédio de azulejo,
Nos nossos lábios retiniu sonoro
Um vigoroso e formidável beijo!

E assim ao meu capricho abandonada,
Erramos por travessas, por vielas,
E passamos por pé duma tapada
E um palácio real com sentinelas.

E eu que busco a moderna e fina arte,
Sobre a umbrosa calçada sepulcral,
Tive a rude intenção de violentar-te
Imbecilmente, como um animal!

Mas ao rumor dos ramos e da aragem,
Como longínquos bosques muito ermos,
Tu querias no meio da folhagem
Um ninho enorme para nós vivermos.

E ao passo que eu te ouvia abstratamente,
O grande pomba tépida que arrulha,
Vinham batendo o macadame fremente,
As patadas sonoras da patrulha,

E através a imortal cidadezinha,
Nós fomos ter às portas, às barreiras,
Em que uma negra multidão se apinha
De tecelões, de fumos, de caldeiras.

Mas a noite dormente e esbranquiçada
Era uma esteira lúcida de amor;
Q jovial senhora perfumada,
O terrível criança! Que esplendor!

E ali começaria o meu desterro!...
Lodoso o rio, e glacial, corria;
Sentamo-nos, os dois, num novo aterro
Na muralha dos cais de cantaria.

Nunca mais amarei, já que não amas,
E é preciso, decerto, que me deixes!
Toda a maré luzia como escamas,
Como alguidar de prateados peixes.

E como é necessário que eu me afoite
A perder-me de ti por quem existo,
Eu fui passar ao campo aquela noite
E andei léguas a pé, pensando nisto.

E tu que não serás somente minha,
As carícias leitosas do luar,
Recolheste-te, pálida e sozinha,
A gaiola do teu terceiro andar!

sábado, 1 de agosto de 2009

Hoje amanheceu Verde.

Ao Luiz, Luiz, Luiz

Um grande amigo não se torna amigo num salto, tão pouco grande.
É fantástico o que o tempo, ao contrário do instante faz com as amizades,
ele as constitui. antes eu disse " graças às virtualidades",
agora discordo, "isso foi amizade".

Ah! o tempo esse algoz ao mesmo tempo veloz,
tanto tempo por instantes, tanta história perdida, passada, vivida, verdejada, amadurecida.
Tranformadas hoje em vidas amanhecidas, dormidas, sentidas.
Como é bom vivenciar instantes que transpõem não só a soleira, como também o tempo.
E num momento que dura horas você pôde me apresentar o destino de minhas trovas.

Me acomodou no seio das palavras mais belas e doloridas
E ensinou que caminhar pelo romantismo, sem o tê-lo, faz parte de nossa vida
Ah! se você não pensasse tanto, Ana
Faça o sofrimento não acontecer, não o torne seu constante pranto.

Amanheceu hoje um novo instante
Com sua ajuda caminhei sozinha por muito tempo
E tornei-me algumas totalidades que ainda não contemplo
Amanheceu hoje uma bela estante

Valeu-me a noite de horas de outrora
Posso sozinha sempre em sua companhia distante
Recorrer às mais belas poesias românticas, sem nunca tê-las tocado
Hoje fui enfeitiçada e bastou-me um momento inquietante
Bastou-me sua bela estante!