sexta-feira, 28 de novembro de 2008

A viagem do elefante - José Saramago



O lançamento mundial da mais recente obra de José Saramago teve como lugar de hospitalidade o Sesc Pinheiros -SP no dia 27/11/08. Com a presença de ilustres intelectuais como José Mindlin e os mais privilegiados espectadores dessa sessão memorável. A "conversa" sobre o livro que o excelentíssimo nobel promoveu foi uma agradável celebração simples.


Bem simples e bem serena, aliás sereno foi como ele mesmo definiu seu estado. A sensação foi de um encontro leve considerando todo peso que um escritor do porte dele tem para nos oferecer. Com seus 86 anos, debilitado pela saúde frágil, em recuperação constante da doença respiratória que o acometeu durante a produção da obra que começou em 1997, Saramago falou de suas impressões, de sua serenidade e do carater jovial do livro. " O livro conduz seu próprio caminho, ele se faz no fazer e esse se quis alegre, portanto, é um livro alegre".


Mesmo tendo sido interrompido com apenas 40 páginas escritas em maio de 97 na retomada as outras 40 páginas seguintes mantiveram intacto o espaço-temporal e inalterável o fio da narrativa e sua própria fatura. Saramago afirmou várias vezes que a doença apesar de muito séria e muito grave não aparece em uma linha sequer do romance ou conto ou autobiografia como chamou o presidente da Companhia das Letras (me escapa o nome) ou como quer que o chamem.


Contou sobre a história do elefante ter saido de uma visita a um restaurante donde havia um elefante grande de madeira trabalhada na entrada e na decoração acima dos clientes havia então um elefante que saia de Lisboa e percorria um espaço até chegar em Viena, na Áustria. Entusiasmado com a peculiaridade perguntou pela história e lhe passaram uma bibliografia, na qual descobrira a tal viagem de seu elefante chamado Salimão , oferecido como presente pelo rei D. João III de Lisboa no séc. XVI ao arquiduque austríaco Maximiliano II.


Contou também que na época não tinha "condições" de escrever nada sobre àquela história por não conhecer seu percurso e seus desdobramentos, mas que a guardou e tempos depois apareceu-lhe o momento de narrá-la, ficcionalizá-la e recriá-la para o mundo.




À Pilar que não me deixou morrer




A sua esposa Pilar Del Rio, como sempre cavalheiríssimo e encantado, rendeu as maiores e mais cordiais admirações e gratidão pelo cuidado com sua obra, atenção com sua saúde, pelo companheirismo estimadíssimo e incondicional e acima de tudo pelo amor maior e transcendental que se destinam ambos.


Dedicou o livro a ela e somente a ela pelo cuidado extremo que teve com ele na dificuldade e gravidade enfrentada durante a doença. E ela não menos admiradora e amorosa com seu marido foi a tradutora de seu livro para el castellano, pela Alfaguara na Espanha, país de sua origem. Lendo um trecho de sua carta publicada sobre a tradução no livro numa edição comemorativa de 1000 exemplares que saiu em Portugal, disse que um tradutor muito melhor que um crítico é o mais "honesto" leitor de uma obra, pois não olhará com olhos armados para a forma ou conteúdo ou estilo da mesma, mas é aquele que segue palavra por palavra a trilha percorrida pelo escritor e tenta minuciosamente captar para outra lingua a essencia de sua escrita. Acrescento é o tradutor talvez o mais autentico interpretador da história em outra leitura, já levada para outro lugar.


Saramago ainda disse que respondeu uma pergunta a um jornalista português, certa vez, que indagava o que queria ainda da vida um escritor com tanta fama, glória, um nobel e reconhecimento mundial. "Queria tempo, vida"- respondeu Saramago . Tempo e vida para continuar seu trabalho, para frutificar outras histórias e para, obviamente, viver com sua esposa, com sua querida e estimada Pilar.


Retomou essa indagação do jornalista e à sua resposta por dois momentos para reafirmar a escassez do tempo e também para responder ao diretor do sesc Danilo Miranda sobre como o Saramago se vê?


Bem, " eu me vejo um velho quando olho no espelho e isso é bom se olhar velho porque se tive a oportunidade de chegar até essa idade é porque nada me aconteceu antes que interrompesse esse momento". Sente-se confiante de ter feito um bom trabalho e comenta não estar com nada em mãos para outra produção, está em descanso como a terra quando preparada para o novo cultivo " em posio".




Fala ainda sobre a declaração e impressão de Pilar sobre seu livro " Um livro de sabedorias". Saramago concorda com as sabedorias ali presente, mas não como referência à ciência ou mesmo ao acumulo de conhecimento, mas à serenidade e equilibrio que encontrou na sua bem escrita obra, como afirma. " Não digo que é o melhor nem o pior livro como sempre acontece com os críticos tomarem parte de algum lado dessa dicotomia, mas digo, certamente não é o pior. É um bom livro, um livro bem escrito"




Para finalizar como um bom escritor que segue a cadência de sua escrita e o caminho de seu trabalho sem se preocupar com enquadramentos, conceituações ou categorizações de sua produção, criticou a classificação de obras chamadas de prosa-poética, pois para ele não existe isso. Pode existir sim poesia no desenvolvimento da narrativa, mas os dois formatos juntos é impossível.


Terminou se refirindo de novo aos seus 86 anos e a vontade de talvez voltar ao Sesc para lançar outro livro, por que não? Não diz que esse será seu último, por isso gostaria de mais tempo e vida para que pudesse continuar esse trabalho, mas nada mais pode dizer.

Num tom já nostálgico de vida e ânsia por mais vida para continuar, Saramago visivelmente debilitado pela saúde frágil deixou-nos a impressão receosa de que a cautela por sua saúde, pelo seu trabalho, pelas suas obras é algo que deve ser tão cuidadosamente preservado como sua estabilidade no meio literário internacional.


Fica-me a imagem dele como uma porcelana rara vinda de algum lugar da Índia, transpostada em confortáveis almofadas, carregada numa toada leve e confortável de um lombo forte e lento de um elefante manso e hábil. Esse é o "meu" Saramago nobre, vivo e leve como uma pegada de um elefante que percorreu e percorrerá muitos caminhos.



Salve qui pu, la vie


sexta-feira, 14 de novembro de 2008

MARCELO ARIEL NA Usp


No dia 06 de novembro de 2008. No prédio de Letras da Universidade de São Paulo tivemos o privilégio e a surpresa de conversar e nos aproximarmos de um poeta extraordinário. Marcelo Ariel, nascido em Santos(SP). Vive em Cubatão, donde coordena a editora Letra Selvagem.
Nossa conversa com ele foi edificante. Através da publicação de Tratado dos Anjos Afogados, 2008 , nos deleitamos com suas experiências ao longo dos 20 anos de escrita poética e também tomamos contato com seu pensamento, suas ”doutrinas”, “filosofias” ou simplesmente fantasmas de vida, vivências. Não há nem como definir. Seria um sacrilégio.
E é justamente nessa assimetria do outro que a poesia de Ariel está lançada, direcionando a relação como um encontro com a diferença que o outro me expõe, me apresenta. Para o poeta o é no encontro com o outro que se instaura o sagrado. O poema é a tentativa de contato com o outro. Ele se dá pela sensibilidade e autenticidade do humano.
Autenticidade que o poeta encontra na infância, quando o humano se abria ao outro com sua verdadeira alteridade, enunciava um eu íntegro, ao que hoje, na semi-presença de vivência somos fantasmas que encenam a vida cotidiana. Tudo é encenação.
Ao que ficou dessa conversa, foi o devir levado ao infinito de conhecer e ler mais e mais Marcelo Ariel, há muito para alterar-se com sua obra, há muita interação humana nessa caminhada. É um prazer sagrado tomar contato com suas poesias. A todo momento diversas possibilidades atravessam a emoção do meu ser, é a alteridade da não-presença, mas da relação com a essência , com o afeto que se instaura tanto no seu engajamento poético quanto na sua performance presente.
Para celebrarnos...

O EVANGELHO – Marcelo Ariel
Seja absolutamente diferente de mim e do que penso que você deveria ser, para que eu possa me abrir para o outro que você é, não como um animal fantasmagórico no espelho dos distanciamentos. Não como um outro eu clonado para as afinidades do ajuntamento irônico, mas para a significativa visão paradoxal do início de uma emancipação, longe dos domínios da coisificação-blindagem do eu. Me abrir para o encontro de uma autêntica filia onde predominem a espontaneidade, a leveza e a lentidão para essa alteridade. O amor como um valor laico e afeto como uma instância do atemporal, como um poema do irreconhecido fundado no desejo do impossível.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Ah, essas questões éticas...

Por especulação, não do capital, mas do “verbum interius” existe uma blindagem no ar que de tão intransitiva para algumas categorias, nos faz pensar, sentir, ou apenas aupiciar que não é possível uma ordenação libertária. Que talvez, só talvez não seja corajoso de nosso parte mudar a lógica sensata, àquela que faz sentido.
A questão é se perguntar : o que raios faz sentido para cada ser? Ou nem isso, menos ainda, tem alguma coisa a ser ilogicizada aqui? Não nesse mundo, ele apenas está em crise financeira, as guerras e genocídios continuam acontecendo, pessoas são presas, greves são tentativas de reclamação, perdeu o foco? Virou explicitação em praça pública, donde só a mídia se permite leitura. MENTIRA.
Alguém por aqui ou por aí perdeu o fio. E o fio que ainda dá pra se ver é aquele que segue o curso natural da vida. Ah? Que curso, àquele de Godot “Quando nada acontece, algo segue seu curso”?
No meu mundo pode-se questionar o vazio do quadrante da bienal, mas não pode questionar o Jornal quando acusa os “intervencionistas” de “depredadores”. Pode além, pode refletir e achar pulsante cada atitude, de todos os lados, dessa pluralidade o risco ganha efeito e a “questionaidade” se permite, ao menos, menos silêncio, menos atividade inerte e passiva.
Há que tomar cuidado com o que queremos pacificar. O discurso da paz cabe direitinho dentro da arte, cabe na sociedade disciplinadora quando aterrorizada com a vida privada lavada em domínio que deveria ser de discussão pública. A multidão emendou a ponta das cordas e agora a fronteira é líquida, portanto, o seu lado também é do vizinho e o que é de dentro do meu problema passa a virar fofoca de esquina em rede nacional.


O problema do pertencimento não seria prioridade se aquilo que agencio pertencesse ao que configuro como pertencido a mim, como se eu pudesse pegar uma obra desde seu contexto histórico e saber empiricamente criticar, contudo o que se vê é um emaranhado de avassaladoras e devastadoras conclusões sobre o que se está, daqui pra frente eu arrisco, pois a abertura do mundo me permite tomar todos os lugares, me apossar de todos os discursos e conhecer o tudo de toda obra sem discernimento temporal entre Tolken e Dostoievski.
A lógica é consumir, como sempre fora, mas agora com a diluição dos financiamentos, o que pertence a meu mundo diz que sou e sou aquilo que vigio de longe, com olhar de cobiça para estar lá? Não para estar cá, comigo, para que eu possa possuir, ter, obter, tocar, segurar...Consumir.


Segundo Lazzarato[1] , consumir não se limita a comprar e destruir um produto ou serviço, mas antes se refere ao pertencimento, à adesão a um mundo. E de que mundo se trata? Diz-nos o autor

"Basta ligar a televisão ou o rádio, passear numa cidade, comprar uma revista ou um jornal para saber que esse mundo é constituído por agenciamentos de enunciação, por regimes de signos cuja expressão se chama publicidade e cujo expresso constitui uma solicitação, uma ordem, que são, em si mesmos, uma avaliação, um julgamento, uma crença a respeito do mundo, de si mesmo e dos outros. O expresso não é uma avaliação psicológica, mas uma incitação, uma solicitação a esposar uma forma de vida

. Marx desenvolveu uma concepção materialista da História, afirmando que o modo pelo qual a produção material de uma sociedade é realizada constitui o fator determinante da organização política e das representações intelectuais de uma época

"A dimensão material do acontecimento, sua efetuação, se faz quando as maneiras de viver, de comer, de ter um corpo, de se vestir, de habitar etc., se encarnam em corpos: vive-se materialmente entre mercadorias e serviços que compramos, nas casas, entre os móveis, com os objetos e os serviços que captamos, como 'possíveis' no fluxo de informações e de comunicação no qual estamos imersos


[1] LAZZARATO, M. Créer des mondes. Capitalisme contemporain et guerres esthétiques. In: Multitudes, 15, Art Contemporain. La recherche du dehor. Paris: Hiver, 2004. Disponível em: http://multitudes.samizdat.net/article.php3?id_article=1285.