terça-feira, 14 de agosto de 2007

Santos, Cristian . Guerras Contidas, 2007

Tristeza no céu
No céu também há uma hora melancólica.
Hora difícil, em que a dúvida penetra as almas.
Porque fiz o mundo?

Deus se pergunta e se responde: Não sei.

Os anjos olham-no com reprovação
e plumas caem.
Todas as hipóteses: a graça, a eternidade, o amor caem, são plumas.
Outra pluma, o céu se desfaz.



Tão manso,

nenhum fragor denuncia

o momento entre tudo e nada,
ou seja, a tristeza de Deus.
(Carlos Drummond)


Há momentos em que não temos fuga nem para a escrita, momentos que só os que dela sabem fazer bom uso, como os poetas, poderiam tomar de brusco uma pluma e devastar papéis brancos em busca de conforto, mas nem eles, acredito, nem eles conseguem apaziguar certos momentos, pois não falo de simples solidão, de crises sobre existência ou problemas ontológicos, de reflexão inconcreta e absurda. Falo mais, falo da natureza epistemológica, falo da melancolia inerente que se traduz no viver, falo do desânimo e da desesperança frente às mazelas sociais, falo da desgraça do outro que te tira o brilho, falo de influências e regências humanas que abatem humanos em covas desconhecidas, porém destinadas
Há desidentificação entre o Eu e o Tu, há dissonância entre tu e eu e a isso cabe questões retóricas, a isso se junta digressões imagéticas, projeções ilusórias, memórias de futuros inalcansáveis, inconpreensíveis, intocados, pois transcrevem sonhos ainda não sonhados ou meramente acorrentados.


Tenho eu um grande amigo poeta que se intitula Cobra e que capacitadamente transpõe algumas sensações, dessas que anuncio, para o papel. E o faz de maneira exorbitantemente admirável. Um pouco por ser poeta, outro por ser de uma sensibilidade incomum diante da vida e talvez muito por ser amaldiçoado com esse dom para poetizá-la, de poder transmitir palavras desconfortáveis aos que se acomodam com a vida, àqueles da sala de jantar, à espera, aos indiferentes, aos desarmados, aos aprisionados num outro mundo, onde os poetas não habitam por serem demasiado pesados em suas sensibilidades e não suportam tanta sujeira invisível, tanta discrição faminta de apreciação. Eles não se enquadram, eles não se deixam ficar no corredor, se espreitam como gatunos nos tetos e tiram do mundo somente a parte que lhes é aprazível e cruel - a poética, a expresão poiese - a vida atrás da janela quebrada -a arte!


Compartilhe(seja lá quem fores) comigo essas poesias de meu nobre devastador amigo que acaba de lançar seu livro "Guerras Contidas"
Me permita, Cristão, transcrever esse poema.



A criação


E pegou o barro e lhe deu a forma

Braços e pernas, assim fez a estatueta

E com as palavras de sua boca

Deu-lhe vida

(passado, presente, futuro)


Assim foi há milhares de anos,

quando o homem criou Deus.

Diante dessas palavras o incompreensível nos preenche. É incrível a sensibilidade de persistência de um poeta em sua dificuldade de vida, em sua capacidade para senti-la como só um artista sem fronteiras, sem barreiras pode alcançar, pode viver. Para ele a vida não lhe basta e como disse Fernando Pessoa:
Baste a quem baste o que Ihe basta
O bastante de lhe bastar!
A vida é breve, a alma é vasta:
Ter é tardar.
(Mensagem)


E o que nos resta? Aos reles mortais....


Debanda

Mil luas brancas estralhaçam minha pele
Redondas luas, brancas leitye
O teto negro noite firma-se em minha coluna vertebral
Raios! Onde é que se foi a minha enraivecida fúria?
Minha insana tristeza?

Essa agora melancolia tão doce e calada
Como pena pousa mansa
Como leve pálpebra que adormece
Tão suave vinho tinto
Presa já mordida
Durmo um sono intranqüilo.



E mais uma de Shakespeare... "bem está o que bem acaba".

Um comentário:

  1. Olá, minha doce Ana! Finalmente descubro que você resolveu botar em palavras todo esse universo mágico e embevecedor que há dentro de você! Se eu explodo como bomba ou big bang, você explode suave como travesseiro em brincadeira de criança, chove leve, como chuva de pétala. Melhor que isso, só ver meu nome presente. É um presente. Voltarei aqui sempre, para te ter através das tela, e dela através das letras, e através das letras o teu âmago, e tendo ele, já não me importara tanto a distância. Beijos, Cobra

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